O fim do dilema do cabelo branco no ambiente corporativo
Às vezes, sigo caminhos profissionais que não existiriam sem essa cor de cabelo. Às vezes, crio bloqueios imaginários que me impedem de ver o caminho.
Desde que a pandemia começou e parei de pintar o cabelo, eu não tinha mais ido a uma livraria. Sei que cabelo e livraria têm pouca ou nenhuma relação, mas explico. Duas semanas atrás, passei algumas horas em uma Livraria da Vila, em São Paulo. Fiquei olhando as estantes laterais com livros lançados há mais tempo e as prateleiras centrais com os mais vendidos, os lançamentos e demais divisões por temas.
Entre as obras expostas na seção de biografias, encontrei o livro da Claudia Raia. Quase não acompanho o trabalho dela — a última vez que a “vi” foi nessa montagem divertida que várias grisalhas fizeram no Instagram com um vídeo dela com tinta no cabelo. Inclusive, a atriz ficou grisalha aos 25 anos. Essa matéria da revista Quem fala sobre a descoberta do primeiro fio branco da sua filha, Sophia Raia, aos 18.
A biografia da Claudia Raia não é um livro que normalmente me interessaria. Mas vi que a capa também trazia o nome de uma jornalista, Rosana Hermann. Isso me interessa. Como escrevo biografias, gosto de descobrir outras pessoas que também têm o desafio de preencher páginas e páginas com a vida de alguém. Fico imaginando quanto tempo levaram, quantas entrevistas fizeram, se deu mais ou menos trabalho do que o esperado etc. etc.
Ali mesmo, parada na frente do livro, digitei o nome no Google: R-o-s-a-n-a H-e-r-m-a-n-n. Olha! Ela tem cabelo branco. Branquinho. E é famosa. Li a primeira página do livro da Claudia Raia. Quis ler a segunda. E a terceira. “Que texto maravilhoso”, pensei. “Como é que eu não conhecia a Rosana?” Descobri que ela vai dar um curso de escrita em outubro. Não comprei na hora — foi quase —, mas ainda vou comprar.
Dois meses atrás, fiz outro curso de escrita. O enredo que me levou às aulas pelo Zoom foi parecido. Descobri uma grisalha no Instagram, a Jana Viscardi (já citei aqui e aqui). Ela era linguista. Vi que daria um curso. Me inscrevi. Mas tudo começou porque ela tinha cabelo branco. Será que agora só vou me interessar por mulheres que pararam de tingir os fios?
Olhei para os meus últimos livros lidos. Nenhuma grisalha. Pensei nos meus últimos trabalhos profissionais. Nenhuma grisalha. Mesmo assim, estou gostando desse ímã. Gosto de descobrir jornalistas que não tingem os fios e me mostram que não são menos respeitadas por isso (esse é o meu medinho escondido, óbvio). Só preciso avisar o Google que estou falando de mulheres grisalhas — eu não quis dizer homens.
Minha lista de grisalhas é grande. A redatora-chefe da Marie Claire Brasil, Adriana Ferreira Silva, é uma delas (foto abaixo), assim como a Gaía Passarelli, que ainda tem poucos fios brancos, mas passa longe da tinta. Quem sabe uma hora faço uma seleção com todas as jornalistas e escritoras que passei a acompanhar mais de perto depois de descobrir que eram grisalhas.
Desde que a pandemia começou e parei de pintar o cabelo, eu não tinha mais ido a uma livraria, mas também não tinha mais ido a um evento corporativo. Não tinha mais pendurado um crachá no pescoço. Não tinha mais colocado um sapato com salto. Não tinha mais conversado com clientes fora da tela do Zoom, do Meets, do Teams ou do Whereby.
Algumas horas depois de passar um tempo na livraria, peguei um Uber para o hotel Grand Hyatt, onde aconteceria um jantar de premiação das empresas líderes em relacionamento com clientes. Contei quantas mesas estavam espalhadas pelo salão, para estimar quantas pessoas também estavam lá. Eram umas trezentas e poucas.
Todas elas subiriam ao palco com suas equipes para receber um troféu de bronze, prata ou ouro. Acompanhei uma a uma. Não apareceu nenhuma mulher de cabelo branco. Eu era a única. Às vezes penso que só posso estar doida. Onde já se viu parar de pintar o cabelo? Pra que fazer isso, minha filha?
Mas não me surpreendi. Até pensei que seria estranho encontrar outra grisalha ali. Lembrei do que escrevi nesse texto sobre cabelo branco e o ambiente de trabalho. Entre as cem mulheres mais poderosas do mundo da lista da Forbes, apenas sete têm cabelos brancos. E a mais nova delas tem 64 anos.
Quando estou na livraria ou na internet descobrindo mulheres grisalhas, quase esqueço que ainda somos poucas. Quase esqueço que algum cliente pode estranhar meu cabelo branco. Na maioria das vezes, porém, eu lembro. Não à toa ainda estou de cabelo pintado na minha foto de perfil no LinkedIn (ó o medinho de novo).
“Como foi a estreia dos cabelos em público???”, me escreveu uma amiga no dia seguinte ao jantar de premiação, com esses três pontos de interrogação curiosos no final. “Se eu pudesse escolher, preferia estar com o cabelo todo castanho”, respondi. “Só para não chamar a atenção.” Ela disse que entendia e achava normal. “São os pequenos laboratórios do processo”, completou.
Depois fiquei pensando sobre a minha resposta. Nem sei se chamei a atenção. Nem sei se alguém pensou alguma coisa. E se chamei ou se alguém pensou, qual é o problema? O que isso muda? Estou sendo dramática? Não passou da hora de naturalizar o meu cabelo no lado profissional, assim como já fiz no pessoal? É isso. Deu. A fase de laboratório acabou. Vou lá atualizar o LinkedIn.
Um beijo,
Camila.
Para admirar
“Por que não deixei o cabelo grisalho quando eu tinha 21 anos?”, se perguntou Ashley nesse post no Instagram. Hoje, ela tem 37. Não pinta desde 2017. “Meu conselho para jovens e mais velhas é: parem de pintar! Prometo que aquele um dedo de raiz branca não te dá nenhuma ideia do quão mágico seus brancos serão.”
Para pensar
“Ao longo dos anos, a distância entre as aparências jovens e velhas foi reduzida. Ou melhor, a expectativa de reduzi-la aumentou exponencialmente.” — Denise Bernuzzi de Sant'Anna, em seu livro “A história da Beleza no Brasil”.
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