Às vezes, cobrimos o cabelo branco enquanto nos descobrimos
Para esconder os brancos, existem outras opções além da tinta — incluindo esses três truques que me ajudam a esperar o tempo certo da transição da cor do cabelo.
“Eu uso a palavra descoberta tanto no sentido literal como no sentido figurativo”, disse Elca Rubinstein no documentário Branco e Prata (já falei dele aqui). “Porque ao descobrir a tinta do cabelo, eu descobri uma mulher que existia e estava lá escondida.”
Gostei da frase, pausei o vídeo, anotei. Fazia tempo que eu pensava em como a decisão de parar de pintar o cabelo ia além da decisão entre uma cor artificial ou natural. Conscientemente, eu só queria encerrar com as tinturas. Inconscientemente, abri um monte de reflexões terapêuticas sobre crenças, padrões e estereótipos.
Mas também fiquei pensando que o verbo descobrir bem que poderia ser mais literal no seu sentido de remover. Poderíamos conseguir remover a tinta tão rápido quanto um esmalte de unha. Na mesma velocidade em que cobrimos os brancos, os descobrimos. Plim. Cabelo descoberto. Grisalhos à mostra. Mulher descoberta.
Essa transição, entretanto, demora muito mais tempo. Passei os últimos 16 meses brigando com a lentidão com a qual meu cabelo crescia. Daqui a pouco é Natal (de novo) e ainda estou nessa. Mas, no fundo, sei que é uma escolha — era só passar a tesoura na parte tingida e descobrir rapidinho todo esse grisalho.
Não sei se alguém tem belas lembranças dos dias em que o cabelo branco e o tingido dividiam a mesma cabeça. É difícil achar essa fase bonita. Por outro lado, nada como o tempo para achar algumas dessas lembranças engraçadas. Agora que a espera não gera tanta ansiedade, dou risada dos truques que usei para esconder os brancos.
Já estou quase me arrependendo dessa breve retrospectiva. Mas vamos ao trio que me ajudou a atravessar os meses mais difíceis:
1. Passar sombra de olhos no cabelo
Julho de 2020, quatro meses sem pintar
Minha sócia e eu decidimos que eu gravaria um vídeo para postar no LinkedIn da Parc Malou, nossa editora. “Mas como vou gravar um vídeo com esse tanto de raiz branca?”, pensei. “E ainda por cima pra publicar em uma rede social de trabalho!”.
Ao mesmo tempo em que eu não queria que os brancos me impedissem de fazer algo, eu não estava pronta para mostrar o cabelo para todo mundo. Resolvi fazer um teste. Passei sombra marrom nos fios brancos (a mesma que passei nos olhos). Dividi o cabelo para o lado que tem menos grisalhos. Fiquei ligeiramente de perfil. Apertei gravar.
2. Baixar a tela do notebook
Outubro de 2020, sete meses sem pintar
Mostrar os brancos no ambiente de trabalho é uma das partes mais difíceis da transição. Mas, como parei de pintar junto com a quarentena, enfrentei pouquíssimas reuniões e eventos presenciais. No virtual, eu tinha uma tática infalível: baixar a tela do notebook para que a câmera cortasse o topo da cabeça.
Fiz isso incontáveis vezes. No dia em que marcaram a entrega do livro que a nossa editora Parc Malou tinha feito para a Luiza Helena Trajano, não tive dúvidas. Várias pessoas entrevistadas entrariam no link do Zoom: Chieko Aoki, Sonia Hess, Alcione Albanesi, as amigas de infância da Luiza Helena, os filhos… E eu também, só que de testa cortada, óbvio (há!).
3. Colocar chapéus e bonés
Março de 2020 a julho de 2021, todos os meses sem pintar
Nunca mais comprei tonalizante, mas comprei e ganhei bonés e chapéus de presente. Esse é o jeito mais fácil de ficar em paz e evitar olhares estranhos na rua. É só cobrir o cabelo e ninguém descobre os brancos. Muitas vezes eu escondia mais do que os brancos e quase não me reconhecia por trás do combo boné, óculos escuros e máscara.
4. Sempre tem que ter uma dica bônus no final
Existe um último truque para aplicar durante a transição: aprender a gostar dos brancos e se importar menos com o que os outros pensam. Mas essas duas coisas levam tempo — talvez o mesmo tempo da transição.
Gostei muito do que a Patricia Reis (do @movimentogrisalha) disse esses dias: “A jornada dos cabelos brancos não é nem longa, nem curta. Ela é o tempo ideal para você conseguir enxergar tudo o que precisa enxergar. É a transição que te dá a sustentação para você se olhar no espelho e ficar bem com o que está vendo”.
Parei de ter pressa. Fiquei em paz com o tempo que a transição leva. Já me questionei tanto sobre as construções sociais de beleza, a eterna busca pela juventude, a origem das nossas vontades e dos nossos gostos… que descobri que precisava mesmo de tempo.
Se a transição externa do cabelo fosse tão rápida quanto remover o esmalte da unha, eu não teria tido tempo para fazer todas as transições internas. Não duvido que eu ainda vá agradecer por tanta espera.
Um beijo,
Camila.
Para admirar
Minha xará Camila Faus é diretora de cena e uma das criadoras da SHEt_alks, plataforma de conteúdo que fala sobre envelhecimento, beleza, menopausa, carreira, sexo etc. Passei um bom tempo admirando os vários cortes do cabelo da Camila, além de uma carta que ela escreveu para os seus brancos ao completar 4 anos da transição. Para ler o texto, clica aqui ou na foto abaixo.
Para descobrir
E se eu contar que, na década de 1950, apenas 7% das mulheres nos Estados Unidos pintavam o cabelo? A cor artificial não era bem vista entre entre as mulheres belas, recatadas e do lar — só atrizes, modelos e garotas de programa pintavam. A história começou a mudar com as propagandas de Miss Clairol, uma tinta que prometia uma cor tão natural que somente seu cabeleireiro saberia a verdade. O slogan virou um clássico: “Does she…. or doesn’t she?”, algo como “Ela pinta… ou não pinta?”.
Para pensar
“Quando fui à cabeleireira cortar meu cabelo, ela disse: ‘Você não quer pintar?’ Eu disse: ‘Chega. Não. Estou muito feliz’.” — Munirah Alatas-Khalifa, de 80 anos, uma das fotografadas para o ensaio da New Yorker com grisalhas da pandemia ou, como a revista chamou, “Covid hair”.
Você já fez a transição para os brancos? Me conta como foi e se existiram truques para cobrir os brancos? Deixa um comentário no post ou responde ao e-mail :)
por aqui tem meses que tonalizo e outros meses que deixo os fios branquinhos - são as mechinhas da frente. mas volta e meia apelo pro spray de cabelo castanho - só tem que cuidar pq pinta o rosto também e já sai toda manchada hehehe