As motivações para não desistir da transição para o cabelo branco
Sempre que sinto que não aguento mais, lembro que não tenho para onde voltar.
“Preciso de uma sessão de terapia em grupo”, eu dizia, cada vez que a transição me incomodava mais. E então nos sentávamos nós cinco — marido, irmã, cunhado, amiga e eu — na sala da república onde vivemos durante nove meses da pandemia. Eles ouviam o desabafo de que eu não aguentava mais esperar. Queria desistir. Não conseguia me olhar no espelho.
Duvido que alguém se goste durante essa fase. O cabelo fica feio. É uma mistura do fio branco com textura diferente, a tinta desbotada, o castanho natural. Parecia impossível que algum dia meu cabelo ficaria como aqueles que eu via na internet. “Dei azar”, eu pensava. “Meu grisalho é o mais feio do mundo.”
“Mas então pinta!”, um deles dizia, tentando achar uma saída para o desconforto. Meia hora depois de espalhar a tinta no cabelo, o problema teria ido embora. Mas eu me sentia presa. Minha única certeza era a de que não existia um caminho de volta. Pintar o cabelo? De que cor?
Desde a primeira vez que tingi para esconder os brancos, por volta dos 26 anos, nunca fiquei feliz com o resultado. O loiro ressecava demais os fios. O castanho médio ficava ruivo. O castanho escuro ficava preto. Nas raras ocasiões em que a cor ficava boa, só durava uns dez dias. Logo já era hora de tentar a sorte mais uma vez.
Não tinha para onde voltar. Essa era e ainda é a minha motivação para continuar esperando o fim da transição. Daria para encerrar o dilema com um corte de cabelo. Para mim, no entanto, eu estaria diante de duas transições: cor e corte. Ontem finalmente cortei na altura do ombro. Adivinha? Dezoito meses depois, ainda tenho tinta no cabelo.
Lembrei da Ellen, uma das primeiras grisalhas com quem conversei para a newsletter, que contou que parou de tingir para ter menos trabalho. E olha que, como já escrevi aqui, Ellen é casada com um cabeleireiro. Ela era alérgica a todo tipo de tinta, mesmo as mais naturais. Essa era a sua motivação.
Já Elca, que apareceu no texto da semana passada, parou de pintar após se aposentar e decidir estudar sobre envelhecimento. Após o segundo dia de um curso de gerontologia, ela voltou para o hotel, se olhou no espelho e se perguntou: “Elca, você pinta o cabelo antes de vir para esse curso e vai pintar quando voltar?”. O tema da aula era morte e morrer. “Quer dizer, abre uma porta com uma mão e fecha com a outra?”
Naquele instante, ela decidiu que deixaria o cabelo branco. “Foi uma decisão mental bem clara de assumir tudo o que tivesse a ver com envelhecimento”, ela conta. “Vivê-lo e lidar com ele. Eu buscaria outra forma de viver esse momento da minha vida.” Esse episódio do minidocumentário Transversal do Tempo mostra a forma quase poética como Elca, que hoje também é rabina, vê a finitude da vida. Essa era a sua motivação.
Pensei sobre essas diferentes motivações há alguns dias, quando ouvi o relato de uma amiga. Assim como eu, ela não passou vários anos ensaiando o dia em que pintaria o cabelo pela última vez. Não era um sonho. Ela pulou uma ida ao salão de beleza, depois outra, depois a seguinte... E agora faz três meses que a raiz cresce livremente.
Na semana passada, ela fez uma visita rápida à sua costureira de mais de uma década. “Nossa! Você está mais velha do que a sua mãe!”, a costureira disse, assim que ela pisou dentro da salinha. Um caloroso “boa tarde” teria sido um jeito mais agradável de começar a conversa. Foi um susto para essa amiga, que tem 60 e poucos anos. A mãe à qual a costureira se referia tem mais de 80. Mas tinge os cabelos.
“E aí?”, perguntei, ao ouvir a história. “Balançou?” Eu sabia que era a primeira opinião não solicitada que ela ouvia. “Eu posso estar maluquinha”, ela respondeu. “Mas ainda não vou desistir. Estou muito curiosa para descobrir o que existe por baixo do cabelo com tinta.” Essa era a sua motivação.
Sei que existem muitas outras motivações. Todas fortes o suficiente para passar pela transição. Se você acha que a sua raiz branca cresce rápido, espere até decidir parar de pintar. Aquele prometido um centímetro de cabelo por mês se arrasta. Muito. Nessas horas, porém, lembro que não tem para onde voltar. A transição é a passagem de uma fase a outra. No seu tempo certo, vai terminar.
Um beijo,
Camila
Para admirar
A diretora criativa Alana Sparrow encerra qualquer discussão de que o cabelo grisalho envelhece ou de que tem que ser curto. Alana tem 52 anos. E é toda estilosa com esse cabelão “shaggy vibe anos 1970”, como bem definiu uma amiga minha.
Para pensar
“Não quero que as pessoas tenham a expectativa de que preciso parecer mais jovem para ter valor, ou para ser bonita ou desejável. Não fazemos isso com os homens! Amamos os homens à medida que envelhecem. Eu adoraria a mesma expectativa para as mulheres e estamos chegando lá... bem devagar.” — Andie MacDowell, atriz, em entrevista para a Vogue no mês passado.
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Qual é a tua motivação para passar pela transição? Vou adorar saber. Deixa um comentário no post ou responde ao e-mail :)
Faltou a foto atual, com o corte pelo ombro!