Pintar o cabelo não é um desejo meu
Por que nunca pensei que existia outra opção além da tinta?
“Já pensou em parar de pintar o cabelo?”, me perguntou a visagista Débora Gotlib, com sua voz doce, em meados de 2019. Fiquei sem reação. Eu tinha 34 anos. Nunca tinha ouvido uma proposta dessa. Nem pensado que isso era uma possibilidade.
Não curti a ideia. A Débora até emendou a conversa mostrando algumas mulheres grisalhas maravilhosas no Pinterest, entre as quais a editora da Vogue britânica, Sarah Harris. “Nela fica bom”, pensei. “Ela tem estilo. Em mim ficaria horrível.”
A pergunta voltou no comecinho de fevereiro de 2020, quando visitei a Débora para mais um corte de cabelo. Entendi que ela estava plantando a ideia aos poucos. “Se convencer uma mulher a cada dez, já é uma revolução”, pensei. “Mas ainda não é a minha vez.”
Saí de lá para encontrar um amigo jornalista. Pensa em uma pessoa cabeça aberta, zero conservador. Lancei a ideia de um-dia-muito-distante-quem-sabe-talvez parar de pintar o cabelo. “Deixa isso para quando você estiver com uns 60 anos”, ele respondeu. Segui o conselho. Deixei a ideia maluca de lado.
Um mês e pouco depois, entramos em quarentena. Eu não botava o pé na rua. Não encontrava ninguém. A raiz branca do cabelo estava ali dando as caras, mas não me incomodava. Não tinha ninguém para ver além de mim e do marido. Fazia duas semanas que estávamos em casa quando pensei: “Não pinto o cabelo para mim; pinto para os outros!”.
Parecia uma descoberta de prêmio Nobel. Uma espécie de revelação. Comecei a pensar em outros “rituais de beleza”. Por que eu me depilava? Era para mim. E as unhas? Para os outros. Sobrancelhas? Para mim. Creme no rosto? Para ninguém, não passo (talvez devesse?).
Foi a primeira vez que pensei que pintar o cabelo não era um desejo meu. Era uma decisão automática, como se fosse parte da evolução natural do ser humano. Nasço, cresço, me assusto com os primeiros fios brancos, escondo com tinta e sigo a vida. Decidi ficar sem pintar por um tempo.
Eu só pensava nisso. Como se questionar sobre esse ritual, quando todas as mulheres à nossa volta tingem os cabelos? Como admirar uma mulher grisalha, quando o padrão de beleza nos faz acreditar que grisalhas parecem mais velhas e desleixadas?
Já julguei jovens com brancos à mostra. Lembro de encontrar uma amiga, também ali em meados de 2019, com vários fios brancos esvoaçantes. Estávamos a caminho de uma reunião corporativa importante. “Por que será que ela não pinta?”, pensei. “Ficaria mais bonita.”
Minha relação com os brancos vem mudando. Mas precisei ser consciente desse processo. Me cerquei de referências. Comecei a seguir grisalhas no Instagram. Buscar pelo assunto no Pinterest. Ensinar para os algoritmos das redes sociais que agora eu estava interessada em cabelo branco.
Isso não significa que a transição ficou fácil. Ainda tenho dias difíceis — menos do que no primeiro ano. Mas, se antes eu não via nenhuma opção além de pintar, agora não vejo uma opção para voltar a pintar.
Imagino que não sou a única com esse problema. Cada ida ao cabeleireiro — ou aventura com tinta em casa — resulta em uma cor levemente diferente. Nenhuma das cores que meu cabelo já teve era boa. Várias vezes me vi com o cabelo acaju Silvio Santos. E esse, definitivamente, não é mais um desejo meu.
Um beijo,
Camila.
Para admirar
Sabe a lupa do Instagram que mostra perfis que podem ser de nosso interesse? O meu só tem mulheres grisalhas. Achei a Liz Kamarul mês passado. Ela é designer de interiores, pinta murais decorativos lindos nas paredes e brinca com cores-unicórnio nas pontas do cabelo. Quando o meu cabelo crescer, quero um arco-íris igual ao dela.
Para descobrir
Em inglês, os cabelos grisalhos também são chamados de “salt and pepper”. A expressão faz parte do cotidiano — só no Google são quase 70 milhões de resultados. Quando digito “salt and pepper…” no navegador, ele já sugere completar com “hair”. Senti falta de termos um termo divertido em português também — e que não seja “cabelo sal e pimenta”, por favor.
Para pensar
“Aprendi que não tem certo ou errado, tem o que me faz sentir bem e confortável na minha própria pele.” — Chiara Gadaleta, fundadora do Movimento Ecoera
Me conta a tua história com cabelo branco? Ou o que você pensa sobre mulheres grisalhas? Deixa um comentário ou responde esse e-mail :)
Lembro que quando comecei a deixar o cabelo branco, num corte bem curtinho, fui a São Paulo e nos encontramos. Naquela oportunidade tu me disse "adorei" - e foi uma das poucas pessoas que elogiou. Ainda era uma fase que parecia "eu contra o mundo", como se o mundo tivesse poder de decisão sobre o meu próprio cabelo. E tem dias assim ainda, tal influência que os padrões determinados têm sobre os nossos corpos. Adorei a reflexão, cá. E seguimos juntas fazendo por nós, pra nós. E que grisalhas-pinterest- maravilhosas nós somos💛
Adorei o texto e o resultado em vc. Sua mãe compartilhou conosco, suas amigas da faculdade, mas só li agora, pois queria ler com muita atenção. Estou pensando em seguir este caminho.