O que vem com o cabelo branco é uma caixinha de surpresas
Desculpa o clichê, mas temos controle apenas sobre a decisão de parar de pintar. Depois disso, é só se abrir para o que virá.
“Mas por que não queres ser a Camila do cabelo branco?”, me perguntou meu marido, depois de eu repetir mais uma vez que não queria ser a Camila-do-cabelo-branco. Eu já tinha escutado a mesma pergunta de uma amiga e de uma prima, quando tentei explicar por que não compartilhava esses textos nas minhas redes sociais.
“Não seeei”, eu disse, enquanto tentava elaborar uma resposta. Eu só sentia que queria ser mais do que a Camila-do-cabelo-branco. Essas quatro palavrinhas não mostravam a Camila que faz outras coisas da vida e escreve sobre outros assuntos. Nunca fui a Camila-do-cabelo-castanho. Por que agora me definiria pela cor do cabelo?
“Essa é uma noia tua”, ouvi como resposta. “Podes escrever sobre qualquer coisa. Se amanhã quiseres falar sobre mandioca, podes ser a Camila-da-mandioca. E está tudo bem.” É. Talvez esteja mesmo tudo bem. A Camila-do-cabelo-branco está curtindo as descobertas dos últimos meses. Por que não quero ser essa pessoa?
Ouvi um questionamento parecido no podcast “Meu nome é correria”, apresentado pelo Cazé (quem lembra dele dos tempos de MTV?). A conversa era com a escritora e roteirista, Rosana Hermann (falei dela aqui). Lá pelas tantas, ela conta que, depois de cortar o cabelo e descobrir que seus fios eram totalmente brancos, os convites para falar sobre cabelo branco, menopausa e terceira idade começaram a chegar.
“Continuo sendo a mesma pessoa”, ela diz. “Não posso mais falar sobre roteiro e escrita? Quando você cai em uma categoria especial, só pode falar dessa categoria?” Por fim, Rosana encerra o assunto do cabelo branco com bom humor: “Não vamos ficar nas caixinhas. Nenhum de nós. Sorry”.
Também não quero ficar nessa caixinha. Mas, depois de conversar com a Josane Palma, comecei a pensar diferente. Acompanho o trabalho dela desde que vi sua foto em uma campanha da Natura. Ela é maravilhosa. Olha esse corte de cabelo. Esse grisalho lindo. “Será que sempre foi modelo?”, pensei.
“Virei modelo aos 51 anos”, ela me diz, contando que fechou um contrato com a Natura em janeiro deste ano. “Fui descoberta no salão de beleza, enquanto fazia as unhas. O cabelo branco abriu as portas para todas essas possibilidades que a indústria antes escondia. As mulheres tinham que ter cabelo preto e esticado.”
Assim como muitas mulheres negras, Josane — “pode me chamar de Jô!” — passou anos fazendo relaxamento e coloração. “Culturalmente, o cabelo liso é o bonito”, ela diz. “Mas, quando chegava o dia de ir ao salão, era uma tortura. Dava vontade de sumir.”
No começo de 2019, ela cortou o cabelo alisado, para descobrir seus fios crespos. Ninguém a incentivou. Até mesmo a cabeleireira ficou reticente. “Peguei a tesoura da mão dela”, lembra Jô. “E cortei bem no topo. Mas continuei pintando de preto.”
O corte passou a ser feito em um salão; a tintura em outro. Em um desses deslocamentos, com a raiz branca aparecendo, ela passou no hospital para visitar um amigo que estava internado. No caminho, reparou que as pessoas olhavam mais do que o normal. No hospital, a família do amigo a elogiou e perguntou se era modelo. “Ali, decidi que nunca mais pintaria o cabelo”, ela lembra.
Além da Natura, Jô já fez comerciais para empresas como Zattini e Magalu. “Me redescobri”, ela conta. “Sou uma nova Josane. Mais confiante. Mais ousada. Me sinto muito mais nova. Temos que esquecer esse negócio de que cabelo branco envelhece. É libertador.”
Agora ela também faz curso de modelo de passarela, para aprender a postura certa para caminhar, parar e olhar para a câmera. O professor a chama de platinada. Já o marido a chama de princesa e Nefertiti. Em uma de suas fotos no Instagram, ela posa com uma estatueta da rainha egípcia, cujo nome significa “a mais bela chegou”.
Jô se acha mais bonita hoje do que antes. “Não que eu me achasse feia”, ela diz. “Os filhos, amigos e marido falavam que eu era bonita. Mas agora eu penso: ‘Não é que eles têm razão?’”
Talvez meu marido, minha amiga e minha prima também tenham razão. Por que não posso ser a Camila-do-cabelo-branco? Assim como a Jô, minha vida está bem diferente da época em que eu pintava o cabelo a cada quinze dias (quanta economia de tempo e dinheiro!). Para começar, jamais pensei que escreveria sobre isso.
O cabelo branco está me levando a olhar para dentro, conhecer mulheres como a Jô e ter conversas incríveis com quem lê o que escrevo. Já recebi até mensagem de um homem-de-cabelo-preto dizendo que meus textos fazem com que ele reflita sobre todos os aspectos da vida. Profundo, não? Parece até que já sou mais do que Camila-do-cabelo-branco.
Um beijo,
Camila.
Para admirar
Claudia Porto também virou modelo depois de parar de pintar os cabelos. Nessa entrevista para a revista L’Officiel, ela conta sobre a mudança de visual e de carreira. Depois de dez anos trabalhando como fonoaudióloga, ela agora quer ajudar a quebrar padrões na indústria de beleza.
Para pensar
“Foi muito importante assumir meus brancos, pois deu uma liberdade. Um momento de se abraçar, de assumir o tempo que passou e que está trazendo coisas novas. Sinto que eu sou melhor hoje porque me aceito mais.” — Gloria Pires, em entrevista para o programa “É de Casa”.
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Mais um texto lindo. Parabéns por colocar tanta emoção e obrigada por compartilhar um pouco dessa neura que costuma acompanhar os mortais.