As mudanças do cabelo branco vão muito além da cor
Quando deixei a raiz grisalha crescer, eu não tinha ideia do que estava por vir.
Começo este texto sem saber onde vai dar. Se é para começar fazendo confissão, arrisco dizer que escrevo quase todos os textos sem saber onde vai dar. Tenho uma ideia geral do tema, então começo a pesquisar, conversar com as pessoas, reler transcrições de entrevistas… até estruturar o pensamento. Muitas vezes fico surpresa com o final.
Mas esse não é um texto sobre as surpresas do processo criativo, por isso vamos ao que interessa. Na sexta-feira passada, enviei mensagem para uma amiga grisalha da quarentena. Perguntei se ela topava ser entrevistada para a newsletter. “Se preferir, posso te citar no texto só pelo primeiro nome ou de forma anônima”, escrevi.
Faz uma semana que estou pensando na resposta que recebi: “Hahaha, anonimato para falar de cabelo branco? Não preciso de anonimato nem para falar de LSD…”. Pausa para reflexão. Pausa para eu sentir um pouco de vergonha. Pausa para analisar por que considerei que ela poderia não querer aparecer aqui.
Fiquei pensando quando, nesses anos todos, pedi uma entrevista anônima. Até mesmo o mexicano que viveu ilegalmente nos Estados Unidos após atravessar a fronteira a pé tem nome, sobrenome e foto nessa matéria que escrevi.
Rapidinho entendi que a minha sugestão de anonimato era a projeção de um medo meu. Pá-pum. A mensagem quicou no espelho e voltou. No fim, quem ainda evita a exposição sou eu. Quem está problematizando o cabelo branco sou eu. Quem tem medo do que os outros vão pensar — seja lá quem represente essa entidade “outros” — sou eu.
Falei sobre esse episódio com a Flávia, minha sócia. Antes de desligar o telefone, perguntei, rindo: “Posso citar teu nome ou vou com o tradicional ‘minha amiga’”? É só ler textos passados para ver quantas vezes me refiro a uma amiga, a uma tia ou qualquer outro substantivo genérico.
Sempre fiz isso para preservar a identidade das pessoas que me contam histórias como amigas, não como entrevistadas. São histórias que ouvi durante uma conversa informal. Essas pessoas não estavam ali no papel de fontes para um texto. “Não dá mais para falar nada para a Camila porque ela coloca tudo na internet!”, elas pensariam. Ou assim imagino que pensariam.
Mas, nesse caso, eu estava fazendo um pedido oficial de entrevista. Eu queria ouvir a opinião e a experiência de alguém que admiro. Então por que, por que, por que falei em anonimato? Parecia até um pedido embalado com um ai-desculpa-qualquer-coisa. “Se tenho medo do que os outros pensam, talvez ela também tenha”, devo ter imaginado, mesmo de forma inconsciente.
O psicólogo Michael Gervais batizou o termo de FOPO, do inglês fear of other people's opinions. Não adianta ter sigla chique. Quando penso racionalmente, não entendo por que posso ter esse receio. É impossível ser unânime — e precisa? Deve ser um tédio ser unânime. Além disso, por um acaso acredito que o mundo gira ao meu redor e as pessoas estão prestando atenção em mim? Pensamento egocêntrico, não?
Amo quem não está nem aí para o que os outros vão pensar. Mas sei que não estou sozinha nessa noia com a opinião alheia. Vira e mexe releio o livro “Grande magia — Vida criativa sem medo”, da Elizabeth Gilbert. Além de refletir sobre o processo criativo, a inspiração e os bloqueios que podem vir do medo ou da vergonha de compartilhar algo, ela também fala sobre a tal da opinião dos outros.
“Se as pessoas gostarem do que você criou, ótimo. Se ignorarem, que pena. Se interpretarem de maneira errada, não se preocupe. E se simplesmente odiarem o que você criou? Se atacarem com críticas mordazes, insultarem sua inteligência, difamarem seus motivos e arrastarem seu nome pela lama?”, a autora questiona. “Apenas sorria e sugira — da maneira mais educada que puder — que vão fazer sua própria arte! E continue fazendo a sua.”
Elizabeth se refere à qualquer expressão artística. Mas podemos estender o conselho para a vida. Quer deixar o cabelo branco, deixa. Quer pintar, pinta. É óbvio que algumas pessoas não vão gostar. Quantos loiros você já viu por aí e não gostou? Quantos cabelos vermelhos ou pretos ou qualquer outra cor você já viu por aí e não gostou? E daí?
Comecei a me importar um pouco menos com a opinião dos outros quando entendi que o meu cabelo branco é a certeza de que não estou fazendo o máximo possível para me encaixar em um padrão. Não que eu devesse, mas percebo que passei grande parte da vida tentando caber dentro de uma caixa. Essa desconstrução é um processo — o texto da semana passada foi um passinho nessa direção.
Ao olhar para trás, tenho a sensação de que, quanto mais eu ficava dentro da caixa, mais o fantasma da opinião dos outros parecia me vigiar. Foi só fazer um pequeno movimento para o lado de fora… para enxergar que era só um fantasma.
A jornalista Maura Judkis resumiu bem as transformações internas que acontecem durante a transição: “O cabelo branco cresceu. Eu cresci”. Foi assim que ela terminou a reportagem do Washington Post sobre as grisalhas da quarentena (já falei desse texto aqui). Em inglês, ela usou apenas quatro palavras: “It grew. I grew”.
Outra frase que guardei com carinho nas minhas anotações foi o que ouvi de uma amiga quando comentei que estava com pressa para terminar a transição: “Uma hora teu cabelo vai estar todo grisalho e vais lembrar com carinho de quando não estava. Não pelo cabelo em si, mas por quem tu eras nessa fase, se descobrindo”. E quanto mais me descubro, menos me escondo.
Um beijo,
Camila.
Para admirar (versão egocêntrica)
Foi só apertar enviar no texto da semana passada… que as primeiras mensagens começaram a chegar. “Você mentiu em plena newsletter!”, disse uma amiga. “Cadê?”, disse outra. “Estamos de olho”, disse uma terceira. Todas mandaram esse print do meu perfil no LinkedIn com o cabelo castanho. No texto, eu dizia que estava atualizando a foto para o meu cabelo grisalho. Acabei demorando uns dias. Mas agora foi.
Para rir
Recebi esse post de uma das minhas irmãs, que é fã desse Instagram com frases de crianças. O que será que a Julia diria do meu cabelo?
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