Uma carta às mulheres em transição para os cabelos brancos
Será que alguma palavra tem o poder de acalmar nossos dias em guerra com os fios brancos?
“Hoje, meus grisalhos e eu estávamos em guerra!”, me disse uma grisalha que conheci pelo Instagram. “Acabei de lavar para ver se eles se acalmam, hahaha.” Ela está em transição há menos de um ano — e me pareceu muito mais bem-humorada do que eu na mesma época.
Respondi a mensagem dizendo que os branquinhos dela estão lindos, que a transição é uma jornada cheia de altos e baixos e que vale a pena esperar. Depois de apertar enviar, fiquei pensando o que exatamente eu gostaria de ter ouvido na época e o que poderia ter acalmado os meus dias de guerra.
Lembrei a quantidade de vezes em que me olhei no espelho e pensei se essa história de cabelo branco era para mim. Será que estou inventando moda? Será que vou parecer mais velha? Será que estou perdendo o meu tempo? Será que aguentarei a pressão quando as críticas começarem a chegar?
As angústias foram se dissipando com o tempo — um centímetro de cada vez. Agora, em vez de olhar para trás e lembrar se o meu cabelo estava feio, lembro muito mais das transformações que vivi e ainda estou vivendo. Sei que existem outras formas de descobrir novos caminhos, mas a transição para o cabelo branco foi a que se abriu para mim.
Entendi que eu pintava o cabelo por medo. Mesmo depois de pintar, porém, o medo não desaparecia. Eu continuava com medo de parecer mais velha, continuava querendo parecer mais jovem, continuava insatisfeita com a cor do meu cabelo tingido, que nunca parecia com a natural. Agora, em vez de esconder esse medo com tinta, cheguei mais perto da raiz do problema.
Nesses últimos dezenove meses, aprendi a respeitar e a valorizar a passagem do tempo. Ler sobre cabelos brancos naturalmente me levou a leituras sobre o nosso envelhecimento e o padrão maluco de beleza associado à juventude. Assim, aos poucos, quase sem perceber, fui perdendo esse receio bobo de ficar mais velha.
Valorizo o que vivi nos últimos quase 37 anos e fico curiosa para saber quem eu serei e o que pensarei nas próximas décadas. Quando vejo uma mulher incrível de 50 anos ou mais, logo penso: “Será que as minhas experiências dos próximos anos também me farão ter ideias parecidas com as dela?”. Tenho vontade de ser tão experiente e sábia como essas mulheres — e isso requer tempo.
Aprendi a ter mais paciência. Por mais que existam botões para assistir aos vídeos no YouTube na velocidade dois e ouvir áudios acelerados no WhatsApp, o cabelo segue crescendo no ritmo do relógio. Lembro como fiquei nervosa quando descobri que a minha transição levaria uns dois anos para terminar. Hoje, entendo que é o tempo que preciso para abraçar essa mudança.
Desassociei o cabelo branco com velhice, com desleixo ou com qualquer outra crença sem sentido. Claro que o grisalho está conectado com o passar do tempo, mas essa percepção seria diferente se mais mulheres jovens deixassem os grisalhos à mostra. Segundo um dado que a jornalista Ronnie Citron citou em seu livro, “True Roots” (sem tradução para o português), 32% das mulheres encontram o primeiro fio branco antes dos 30 anos.
Também mudei a forma como me vejo. Enquanto eu buscava referências grisalhas na internet, percebi que essas mulheres amavam um espelho. Já eu fazia de tudo para esconder aqueles fios sem cor e ficava curiosa para saber se um dia eu mudaria a minha relação com o cabelo. Eis que, em junho de 2021, depois de quase dezesseis meses sem pintar, me peguei fazendo selfies. No plural.
Pouco tempo depois, entendi por que muitas grisalhas dizem não se importar com as críticas. A conclusão é óbvia: porque realmente não importa. O meu cabelo branco é a certeza de que fiz uma escolha que não agradará a todas as pessoas. Saber disso tem um quê de libertação. A decisão agrada a mim. Se não agradar a alguém… Ah, que pena!
No entanto, nada dessa pseudofilosofia alivia os momentos de guerra que surgem durante a transição. Eu quase revirava o olho quando ouvia alguém contando que o processo é profundo, interno e vai além do cabelo. “Que legal para você”, pensava, enquanto vivia o meu drama. “E o que eu faço com esse cabelo horrível que está na minha cabeça agora?”
Vou repetir o que ouvi das mulheres grisalhas na época: “Confia!”. Mas, como era difícil confiar, passei a fazer escova no cabelo (progressiva de novo nunca mais), usar bonés e contar com o apoio das pessoas que eu amo. Desabafei várias vezes. E, se pudesse voltar no tempo, teria começado a fazer terapia mais cedo — afinal, não é só cabelo.
É um processo que começa com uma decisão e vai se espalhando por várias áreas. Talvez amanhã eu perceba que, hoje, ainda não tinha entendido nada. Se eu ler esse texto de novo daqui a uns meses, quando as últimas pontinhas de cabelo tingido tiverem ido embora, desconfio que já discordarei de mim mesma. Essa é a beleza do tempo.
Por fim, o que posso dizer é que não amo o meu cabelo branco todos os dias. Mas amo mais do que o tingido. E amo a Camila com esse cabelo.
Um beijo,
Camila.
Para admirar
A modelo francesa Marie Seznec foi embaixadora de Christian Lacroix por muitos anos, até virar diretora da marca de alta-costura do estilista. Ela nunca escondeu o cabelo branco — os primeiros fios apareceram aos 15 anos. Na edição de setembro 2021 da Marie Claire francesa, a diretora de redação, Katell Pouliquen, relembrou um pouco dessa história e trouxe fotos de Marie Seznec dos anos 1980 e 1990.
Para pensar
“Tanto tempo perdido, tanto dinheiro gasto, tantos produtos químicos — estou farta disso.” — Jane Fonda, em entrevista para Ellen Degeneres no início deste ano. Mas, para ilustrar, escolhi essa foto que saiu na edição de outubro da Vogue Polônia.
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