O silêncio sobre o cabelo branco das mulheres de 30 anos
Aprendemos a ter medo do cabelo branco. É como uma erva daninha que nasce em um jardim florido e precisa ser arrancada o mais rápido possível.
Ao olhar para o espelho do salão de beleza, Sabrina viu que o penteado para o casamento da melhor amiga escancarava uns fios brancos que ela nunca tinha visto. “Levei um susto e arranquei todos”, ela conta. “Não lembro quantos eram. Uns 10? Mas lembro que doeu.”
O susto, segundo ela, foi por constatar a realidade. Parecia que agora existia uma responsabilidade maior, uma preocupação com o futuro. “Os 30 me trouxeram uma consciência de que a vida é finita, sabe? Não que eu pensasse ser imortal. Mas acho que ainda não tinha parado para pensar que de fato vou envelhecer.”
A constatação vem com pesar. Envelhecer está associado a algo negativo. Até podemos ficar mais velhas, desde que consigamos “envelhecer bem”. Já perdi as contas de quantas vezes ouvi que “tudo bem ter 30 ou 40 ou 50 anos, mas é importante estar bem para aquela idade”. Isso costuma significar investir em procedimentos estéticos — de um jeito “supernatural”, claro.
Também sinto essa pressão. Ou nem estaria aqui escrevendo sobre isso. O que me intriga é entender como chegamos ao ponto de ter tanto medo de envelhecer. O livro “A história da beleza no Brasil”, da historiadora Denise Bernuzzi Sant’Anna, diz que a velhice virou um assunto mais frequente nas revistas femininas a partir da década de 1930.
“Foi quando algumas brincadeiras confirmaram a negatividade atribuída às quarentonas”, diz a autora, citando uma publicação da revista Careta: “A mulher aos 15 anos é sorvete, aos 25 é refresco, aos 40 é água morna”. Só eu achei esse humor de noventa anos atrás bem sem graça?
Nem eu, nem a Sabrina queremos voltar no tempo, tampouco virar refresco ou sorvete. “Minha mente é incrivelmente mais interessante hoje do que dez anos atrás”, ela disse. “Mas não é isso que enxergamos ao olhar para alguém. Ninguém pensa: ‘Nossa! Que mente legal.”
Logo, precisamos reduzir os sinais estéticos da passagem do tempo. A doutora em sociologia da Universidade de British Columbia, Lauren Hurd Clarke, passou dez anos pesquisando a relação entre o envelhecimento, as mulheres e a nossa cultura obcecada pela juventude. Para se ter uma ideia, as mulheres entrevistadas no período inicial da pesquisa do doutorado falavam menos sobre suas rugas do que aquelas entrevistadas no final.
“Com a chegada e o crescente uso de preenchedores injetáveis, as linhas de expressão passaram a ter uma conotação ruim em função das mensagens de marketing dos produtos disponíveis”, disse Lauren nessa entrevista para as pesquisadoras brasileiras Maria Collier de Mendonça e Gisela Castro.
A pesquisa de Lauren demonstra que a maioria das mulheres percebe o cabelo grisalho como um sinal inquietante e pouco atraente do envelhecimento. Difícil discordar. Desde a infância aprendemos a ter medo do cabelo branco. É como uma erva daninha que nasce em um jardim florido e precisa ser arrancada o mais rápido possível.
Se você não arrancar, corre o risco de alguém fazer isso por você. O podcast “É noia minha?”, da escritora e roteirista Camila Fremder, tem um episódio sobre cabelo branco. Dei risada — deveria chorar? — quando uma das entrevistadas contou que pessoas conhecidas a encontravam e diziam: “Fica parada!”. E então arrancavam o fio branco da cabeça dela. Sem pedir licença. Ri do absurdo. Mas ri por lembrar que isso já aconteceu comigo.
Fiquei pensando que, assim como existe a turbulenta transição para o cabelo branco, talvez também exista a transição da juventude para a fase adulta. Não existe uma idade exata que indique quando deixamos de ser jovens — estou falando biologicamente; se quiser ser jovem de espírito para sempre, não se ofenda. Segundo as Nações Unidas, a juventude vai de 15 a 24 anos. Segundo o Estatuto da Juventude no Brasil, vai de 15 a 29.
Para além das convenções, cada pessoa sente a transição de um jeito diferente. Além da Sabrina, conversei com outras duas amigas que estão nessa faixa etária. Aviso que foi uma seleção enviesada. Eu sabia que as três se questionavam sobre os primeiros fios de cabelo branco. Não que sofressem, mas já tinham arrancado uns fios — e agora pensavam o que fariam com os próximos.
Nenhuma delas classificou o momento como uma crise. “Não gosto de nomear assim”, disse Mariá. “Talvez seja uma tomada de consciência dos 30.” Ela conta que percebe mudanças em duas dimensões diferentes. Uma é simbólica: as emoções parecem mais estáveis e previsíveis do que na década anterior. A outra é física: o corpo está mudando e, por azar ou não, também está trazendo os cabelos brancos.
A terceira conversa foi com a Luiza. Vira e mexe ela me envia uma selfie bem-humorada com uns dois ou três cabelos brancos espetados. No topo do fio, ela desenha uma bolinha colorida, como se fosse uma antena. Por trás da brincadeira, há questionamentos. “O cabelo branco reflete a realidade de que estou envelhecendo", ela diz. “Tem um sentimento de que não há mais tempo para errar.”
No instante seguinte, porém, ela fala que sabe que a afirmação não faz sentido. “Vejo pessoas de 80 anos errando e está tudo bem. Mas parece que, depois dos 30, o tempo acabou. Nada do que fizermos será incrível. Sempre ouvimos histórias surpreendentes sobre a pessoa ‘que ficou milionária antes dos 30’, ou ‘viajou para tantos países antes dos 30’, ou ‘terminou o doutorado antes dos 30’. E agora?”
Não sei a resposta. Mas diria que precisamos lembrar que ainda vamos viver uns 60 anos com mais de 30 anos. Perguntei para a Luiza por que ela acha que o cabelo branco é um marco do envelhecimento. “Porque não vejo crianças com cabelo branco!”, ela respondeu. Realmente existem pouquíssimas crianças que produzem menos melanina.
Coincidência ou não, anteontem o UOL publicou uma matéria com mulheres que pararam de pintar os cabelos antes dos 30 anos. A reportagem conversou com quatro mulheres e teve destaque na home do site. A primeira entrevistada tem cabelo branco desde os 18 anos; a segunda, 8; a terceira, 12; e a quarta, 20.
Acredito muito que só vamos tirar esse peso se virmos mais mulheres de diferentes idades com os cabelos brancos. Enquanto quase todas pintarem, sempre teremos a impressão de que demos azar. É aquele sentimento de “puts, comecei a ter cabelo branco muito cedo”, ou “ninguém tem cabelo branco ainda, só eu”.
Mariá descobriu há pouco tempo que todas as amigas já têm fios brancos. “Fiquei pensando o quanto silenciamos isso”, ela disse. “Achei que eu estava sozinha. Aí encaminhei a tua newsletter e todas me responderam: ‘Ahhhh, estou nessa também’. É doido porque, na verdade, (quase) todo mundo já tem cabelo branco aos 30.”
Falei que eu queria poder dizer “guria, não se preocupa com isso!”. Mas sei que não adianta. Eu mesma tingi por muito anos, jamais considerei outra opção. Mas acredito que diminuir o silêncio sobre o cabelo branco é uma saída. E, quem sabe assim, abrir espaço para as mudanças internas.
Enquanto isso, se eu puder dar um conselho, diria para você esperar o máximo possível. Depois de tingir a primeira vez, começa a saga das idas ao salão e das tentativas de acertar a cor (nunca fica como imaginamos). Quando não der mais para tolerar os fios ou disfarçar com spray, você decide se quer ou não pintar.
Mas deixa para se preocupar depois. Sabe por quê? Um estudo sobre a mudança na personalidade das mulheres entre os 30, 40 e 50 anos mostrou que a preocupação com o envelhecimento tende a aumentar. As pesquisadoras Abigail Stewart e Joan Ostrove analisaram a experiência de envelhecimento de 331 mulheres, divididas em três grupos — cada um referente à universidade onde se formaram.
Veja que os quatro aspectos analisados — segurança com a identidade, influência em outras gerações, confiança e preocupação com o envelhecimento — tendem a crescer depois dos 30. As notícias são boas, exceto que ainda vamos nos preocupar mais com o envelhecimento aos 40 e aos 50. O bom é que estamos recebendo o aviso agora. Ainda dá tempo de buscar um jeito de ficar mais em #paz.
Um beijo,
Camila.
Para admirar
Ontem também me enviaram esse texto, que conta a história da Lauren. Ela deixou de pintar os cabelos aos 26 anos. O texto é uma adaptação mais curta da publicação original no Daily Mail. No caso dela, o primeiro fio branco apareceu aos 12 anos. A foto abaixo é do seu perfil no Instagram, criado para naturalizar os cabelos brancos em mulheres jovens.
Para descobrir
Essa foto das atrizes Andie MacDowell, Helen Mirren e Jodie Foster no tapete vermelho do Festival de Cannes rodou a internet. Entre as várias matérias e posts em redes sociais, adorei a reflexão-pistola da linguista Jana Viscardi. É só clicar e ler. Mas é bom avisar: contém palavrões.
Para pensar
Dessa vez, em vez de trazer uma frase para pensar, trago essa imagem. É a primeira vez que você vê uma noiva grisalha? Ela é a Juliana Marie, que obviamente ouviu que deveria tingir o cabelo para o casamento. Como relatado nesse post, ela preferiu ser ela mesma.
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