O que as francesas e as canadenses pensam sobre cabelo branco
Duas brasileiras contam suas experiências nesses países — e falam sobre o receio de voltar para o Brasil.
“Estou na fase de amor e ódio com a decisão de não pintar o cabelo”, me disse uma amiga que mora em Paris há um ano e meio. Recebi a mensagem depois de enviar esse texto da newsletter. “Foi só pensar em voltar para o Brasil e já me deu um friozinho na espinha. Engraçado isso, né?”
Ela contou que nem pensava mais em seus fios brancos. Por lá, cenas com francesas grisalhas de todas as idades são comuns. “Ontem mesmo vi uma menina jovem — quer dizer, da minha idade, uns 37! — estilosíssima em um café aqui perto de casa. Ela estava com um rabo de cabelo puxado para trás bem no estilo parisiense — aquele arrumado-desarrumado. E era completamente grisalha.”
Inevitável pensar em como a beleza muda dependendo da época em que vivemos e do país onde moramos. Quer dizer que o plano de voltar para o Brasil provocou frio na espinha por causa do cabelo? Enquanto isso, em Paris, ela vive em paz com os fios brancos?
Mas o sinal de alerta tocou quando enviei a newsletter da semana seguinte. Mariá, uma amiga de infância da minha irmã caçula, escreveu algo parecido. Ela também é brasileira, mas mora há três anos em Québec, no Canadá.
“Meus cabelos brancos começaram a aparecer há pouco tempo”, ela disse. “Depois de arrancar os primeiros, descobri que é uma violência com o fio. Parei e aceitei os brancos. Mas imagina o tanto de comentários que vou ouvir sobre os meus fiozinhos quando eu visitar o Brasil!”
De quantos fiozinhos estamos falando? Uns cinco ou seis, segundo ela. “Aqui, quase todas as minhas amigas têm fios brancos — umas mais, outras menos.” Ninguém sugeriu que ela estivesse diante de um dilema que se resolve apenas com pinça ou tinta.
Depois de o papo evoluir por mensagem, marcamos de conversar por telefone. Fiquei curiosa para saber se ela vive em uma bolha que não se importa com cabelo branco — por ser pesquisadora e doutoranda da Université Laval, poderia ser exclusividade do ambiente acadêmico?
“Cabelo branco virou o assunto da semana aqui em casa”, ela disse logo no início da conversa, ao contar que saíra para correr com o namorado no dia anterior e os dois ficaram prestando atenção nas publicidades estampadas atrás dos ônibus. De três campanhas, uma delas tinha uma mulher de cabelo branco.
“Será que é publicidade de asilo para velhinhos?”, eles se perguntaram, rindo. Mas não. Era uma propaganda do sistema de transporte da capital. “Isso me faz pensar que aqui realmente tem uma representação social mais naturalizada e espontânea.”
Segundo ela, é raro encontrar mulheres com cabelo tingido em Québec. “Só me lembro de uma pessoa que pinta o cabelo: uma professora da universidade, que tinge de loiro.” No Brasil, porém, ela só se lembra de uma pessoa que deixa seus cabelos brancos à mostra: uma tia, que parou de pintar por volta dos 60 anos.
Desde que se mudou para o Canadá, ela conta que já confrontou vários padrões brasileiros de beleza. O cabelo branco é mais um deles. “Por que não posso achar esses fios bonitos em vez de acreditar que preciso esconder ou arrancar? Questionar tudo isso deixou a vida muito mais leve.”
Quer dizer que porque falei com duas brasileiras que moram nesses países agora sabemos como pensam todas as francesas e todas as canadenses? Claro que não. A própria Mariá disse que não se sente apta para falar sobre todo o Canadá — existem muitas províncias, cada qual com suas particularidades.
Depois de desligarmos o telefone, porém, ela convidou a amiga Allyne para fazer um estudo de campo etnográfico (achei chic!). As duas passaram trinta minutos observando as pessoas ao redor de um café. Fazendo de conta que estava fotografando a amiga, Mariá registrou quem passava atrás.
“Olha que interessante o resultado", ela me escreveu, enquanto enviava umas dez fotos com grisalhas ao fundo. Perguntei se antes ela não percebia que havia tantas grisalhas ao redor. “Acho que eu já tinha naturalizado. Mas, depois da nossa conversa, fiquei atenta para testar a história da bolha. E tinha uma chuuuuuuva de grisalhas!”
Já eu sei que vivo uma bolha fictícia que me faz imaginar que, quando a pandemia acabar, veremos várias grisalhas pelas ruas do Brasil. Também sei que vai ser difícil repetir o estudo de campo etnográfico da Mariá por aqui, mas fico otimista quando vejo as grisalhas da quarentena e as propagandas brasileiras trazendo modelos com corpos mais diversos.
Mas agora me diz uma coisa: como você se sentiria ao ver uma publicidade igual a essa na Renner ou na Riachuelo? A foto abaixo foi tirada essa semana na seção de lingerie da loja de departamento Primark em Thiais, uma comuna pertinho de Paris. Diferente do que vemos por aqui?
Um beijo,
Camila
P.S.: Quero agradecer minhas amigas-correspondentes que agora registram e me mandam tudo o que veem de cabelo branco mundo afora 🤍
Para admirar
A estilista Isabel Marant compartilhou seis regras de beleza das francesas nessa entrevista para a Vogue (preguiiiça de regras, mas é um bom título caça-clique). Uma delas, segundo Isabel, é abraçar a imperfeição do cabelo: “Depois que você arrumar seu cabelo, desarruma um pouquinho para não parecer tão perfeito”. Ela segue a regra, sempre com seus grisalhos presos e estrategicamente desarrumados.
Para descobrir
Existem muitas “silver sisters” espalhadas por aí. A expressão em inglês para as “irmãs prateadas” traduz a conexão entre as grisalhas — elas se apoiam e se admiram. Existe até uma convenção de gosto duvidoso para reunir essas mulheres, com um baile de gala chamado Graychella (!). Mas okkk, não vamos deixar o encontro a la Coachella apagar a força da grande rede de grisalhas.
Para pensar
“Eu amo meu cabelo grisalho. Eu amava meu cabelo tingido. Um não exclui o outro. Ame quem você é.” — Whitney, dona de casa e mãe de três, que parou de pintar o cabelo em outubro de 2019 e retrata a jornada em sua conta do Instagram, Silvers Trands of Glitter.
Me conta se você lembra de ter visto mais grisalhas em outros países? Ou se você pensa que isso tudo é uma grande viagem? Deixa um comentário no post ou responde esse e-mail :)