Será que o jogo virou e agora existe uma ditadura do cabelo branco?
Ou será que esse é mais um sintoma do nosso medo de envelhecer?
“Agora pronto!”, escreveu uma mulher nos comentários de um post da revista TPM. “A DITADURA de mostrar os cabelos brancos!”. Outra também questionou: “Não podemos mais pintar o cabelo?”
Elas não estavam sozinhas nesse coro. Uma terceira afirmou que pinta o cabelo porque gosta e então disse: “O que vejo é uma pressão muito grande para as pessoas deixarem as madeixas brancas. Está ficando chato... Um exagero. Cada um faz o que quer e o que lhe agrada. E viva a liberdade!”.
Os comentários se referiam a uma entrevista sobre envelhecimento feita pela revista TPM com a escritora e ativista anti-etarismo, Ashton Applewhite. “Pintar os brancos é o jeito mais óbvio de nos tornarmos invisíveis como mulheres mais velhas”, ela disse. “É compreensível, sem julgamentos. Mas, quando um grupo é invisível, seus problemas também são.”
Muitas mulheres responderam à declaração com emojis de palmas e corações. Outras, no entanto, não acreditaram que a escritora não as julgava. “Antes, éramos pressionadas para pintar o cabelo e fazer Botox”, disse uma delas. “Agora, somos julgadas por fazê-lo. Que inferno, não? Por que simplesmente não nos deixam em paz?”
Fiquei me perguntando quem exatamente não está nos deixando em paz. O capitalismo? O patriarcado? A imprensa? As mulheres que pararam de pintar os cabelos? A quem a seguidora se referia?
Li a entrevista com a Ashton Applewhite. Quis pesquisar mais sobre suas ideias. Assisti ao seu TED Talk, no qual ela comenta que todos os “ismos” são ideias construídas socialmente — machismo, racismo, sexismo, capacitismo e etarismo, por exemplo.
“Isso significa que nós os inventamos e que eles podem mudar ao longo do tempo”, ela diz. “Todos esses preconceitos nos colocam uns contra os outros, para manter a situação atual. Mas o estranho do etarismo é que os outros somos nós.”
Pausei o vídeo e voltei alguns segundos para ouvir a frase mais uma vez: “Mas o estranho do etarismo é que os outros somos nós”. É tão óbvio. Então por que não estamos todos lutando contra esse preconceito? Sei que cada um já tem uma causa para se ocupar, mas todos vamos envelhecer.
O cabelo branco é o símbolo universal desse envelhecimento. Também podemos chamá-lo de tirano, como disse uma publicidade anos atrás, ao fazer uma brincadeira (assim espero) com ditadura. Em 1943, a marca de tintas Clairol chamou o cabelo branco de “ditador sem coração”.
O anúncio pregava que o cabelo branco poderia governar a nossa vida sem justiça e sem bondade. Poderia ditar muitas das coisas que dizemos ou fazemos, entre as quais nossas roupas e nossos relacionamentos. “Não é de se admirar que outras mulheres se recusem a tolerar este tirano”, sugeria a campanha.
Por fim, a marca prometia manter o segredo de que as mulheres tingiam e evitar a aparência feia das tinturas antiquadas — as únicas disponíveis até então. Os cabelos pintados ainda não eram bem-vistos pela sociedade da época. Precisávamos ser convencidas de que o experimento era uma boa ideia.
Agora, oito décadas depois, a tintura já está na cabeça da maioria das mulheres. E algumas desconfiam que o jogo virou: em vez de cobrir os cabelos brancos, querem nos forçar a exibir esses tiranos.
Faz um tempo que acompanho o desconforto de algumas mulheres que tingem os cabelos com as que deixaram os brancos à mostra. Sei que também existem as grisalhas que criticam as tingidas. Seja qual for o caso, não entendo por que estamos umas contra as outras.
Fiquei pensando se o medo de uma possível ditadura do cabelo branco estaria associado ao medo de parecer mais velha, ou à lembrança de que existem fios grisalhos por baixo da tinta, ou até a uma certa raiva de ir ao salão no mínimo uma vez por mês para pintar.
Essa raiva seria um espelho? Algum medo confrontado dentro da própria pessoa? Um tempo atrás, uma amiga me confessou que, após acompanhar a minha transição e descobrir o que está por trás da sua própria motivação, acha que se julgará se um dia decidir pintar o cabelo. Será que eu também sentiria isso?
Quando olho ao meu redor, porém, não vejo nenhum sinal de um regime autoritário que esteja forçando um novo padrão. As redes sociais dos salões de beleza continuam não mostrando grisalhas. A lista das mulheres mais poderosas da Forbes tem pouquíssimas grisalhas. A maioria das mulheres que ocupam posições políticas não são grisalhas. Há pouquíssimas grisalhas nas ruas — e quase nenhuma com menos de 40 anos.
Mas o cabelo branco virou, sim, um assunto mais frequente. O que é bem-vindo, pois ajuda a normalizar o grisalho e, como consequência, o envelhecimento. Como diz a cientista política Claire Robinson em seu ensaio “Grey is a feminist issue”, (em português, algo como “Cabelo branco é uma questão feminista”), quanto mais vemos certas coisas, mais familiares elas se tornam.
Talvez ela fique chateada se souber que vou pular direto para o último parágrafo do seu longo ensaio, que mostra a importância de entendermos que cabelo branco é um assunto feminista — nos homens, é charmoso e sinal de sabedoria; nas mulheres, desleixo e sinal de abandono. Mas as palavras que encerram seu texto têm a ver com essa pressão que algumas mulheres sentem.
“Não estou sugerindo que as mulheres não devam escolher tingir o cabelo se isso for parte de sua expressão de identidade”, escreveu Claire. “O que estou defendendo é sua visibilidade, para que os cabelos grisalhos nas mulheres sejam normalizados. Para que nenhuma mulher qualificada, experiente, madura e competente diga novamente que tem que pintar o cabelo para ser levada a sério e respeitada.”
Essa afirmação confirma a descoberta de um estudo publicado em abril deste ano por pesquisadoras do departamento de psicologia da Universidade de Exeter, na Inglaterra. Após fazer uma análise sobre as implicações de ser uma mulher mais velha e grisalha, elas identificaram dois temas principais em um grupo de oitenta mulheres que deixaram de tingir os cabelos: competência e autenticidade.
Os conceitos, no entanto, se opuseram. As participantes da pesquisa sabiam que corriam o risco de parecerem menos competentes à medida que envelheciam — e que essa percepção aumentaria se parassem de tingir os cabelos. Ainda assim, segundo os relatos, escolheram ser grisalhas para se sentirem mais autênticas.
“A invisibilidade social é um tema recorrente na literatura sobre envelhecimento e nos relatos de mulheres mais velhas sobre suas vidas, inclusive ao discutir o cabelo”, diz o estudo. “Mulheres, mais do que homens, se sentem invisíveis e apagadas da vida pública e social. Além disso, uma pesquisa recente encontrou uma percepção geral de que a atratividade física das mulheres se deteriora mais do que a dos homens.”
Esse é um dos motivos pelos quais é tão importante falarmos sobre envelhecimento e cabelo branco. As mulheres que tingem não estão diante de uma ditadura, assim como as grisalhas não estão diante de plena liberdade.
A pesquisa da Universidade de Exeter também mostra que as grisalhas não acham mais viável passarem-se por mais jovens. Por isso, elas dão mais atenção ao penteado, aos cosméticos e às roupas, para ninguém pensar que se abandonaram.
Quando li essa frase, entendi que estamos todas presas no mesmo regime autoritário. O tirano é aquele velho conhecido que nos impõe o que devemos achar belo e, se possível, que sejamos sempre jovens. Quando você souber como destituí-lo do poder, me conta?
Um beijo,
Camila.
Para admirar
Descobri a Maayan nesta matéria do New York Times sobre mulheres que pararam de pintar o cabelo durante a quarentena. Ela contou que, desde então, a vida mudou mais do que ela esperava. “Me vejo olhando muito mais as pessoas nos olhos e tendo uma conexão pessoal com estranhos”, ela diz. “É bonito se sentir bem.”
Para descobrir
Todas as frases da Ashton Applewhite do seu TED sobre etarismo são maravilhosas. Tentei escolher uma para colocar aqui, mas não consegui. Se eu ainda não te convenci, vou tentar mais uma vez: assista. O vídeo tem legenda em português e, como a própria Ashton resumiu neste tweet, traz “onze minutos que vão mudar a maneira como você se sente em relação ao resto da sua vida”.
Para pensar
“Nós contemos todas as idades que já fomos.” — frase de Anne Lamott, escritora e ativista, citada na abertura do “Manifesto contra o etarismo”, publicado por Ashton Applewhite (em inglês).
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“Nós contemos todas as idades que já fomos.” Conceito maravilhoso. Parabéns pelo post e por nos trazer um aprofundamento e o outro ponto de vista "do grisalhar". Abraços.