Você já pensou em comprar cabelo grisalho?
Um acaso do destino decidiu que peruca, mega-hair, aplique e prótese de cabelo branco deveriam virar um assunto por aqui.
“Sou vendedora de cabelo”, diz a mensagem que recebi por Whatsapp. “Tenho cabelo grisalho Vietnã.” Junto com essa apresentação, a pessoa enviou um vídeo mostrando os fios de perto. Hein? Fiquei tão perdida quanto curiosa. Eu nunca tinha imaginado que existia um comércio de cabelo grisalho.
“Deve ter havido alguma confusão...”, respondi. “Sou jornalista e escrevo sobre cabelo branco. Mas não compro cabelo”. Ela pediu desculpas e disse que tinha digitado errado um dos números do telefone. Eu adorei o engano e comecei a fazer várias perguntas.
— Por que chama Vietnã?
— Porque é do Vietnã rsss.
— Custa R$ 3 mil para 60 centímetros?
— Sim, e quanto mais grisalho 🧑🦳 melhor kkkkk!
— Tem muita demanda? Tem muita oferta?
— Tem os dois.
— Vem do Vietnã por que poucas brasileiras vendem?
— Poucas pessoas importam, por isso fica caro. Mas é como um cabelo brasileiro, que é o mais caro.
— Quanto custa o brasileiro?
...
A partir daí, ela cansou de responder. Li e reli a conversa, mas não entendi quase nada. Talvez porque eu não soubesse nada de peruca, mega-hair, prótese, aplique e afins. Digitei “cabelo grisalho Vietnã” no Google, mas continuei sem entender.
Enviei um print da mensagem em um grupo de Whatsapp da família. “De onde veio isso? Tô chocada”, disse minha irmã, sem acreditar que realmente era uma coincidência. “Olha essa Camila recebendo material pra newsletter sem querer!”, falou minha prima.
Voltei para o Google, mas dessa vez buscando lojas de cabelo natural. Eu queria saber se elas percebiam um aumento na procura por grisalhos. Queria saber qual era o perfil de clientes. Queria entender o que era esse tal de cabelo Vietnã. Acabei descobrindo mais do que esperava, inclusive que a nossa origem brasileira nos faz ter o cabelo mais caro do mercado.
“Os cabelos têm nacionalidades”, explicou Leticia, vendedora da loja Cabelos Humanos. “O lugar onde você nasce e vive influencia na textura, na ondulação, no preenchimento nas pontas... Por exemplo: os cabelos brasileiros da região Sul, por conta da descendência europeia de parte da população, costumam ser mais leves do que os que vêm de outras regiões.”
Segundo Danielli, vendedora de outra loja de cabelos, a origem dos três mais vendidos são o brasileiro, o oriental e o indiano. Os orientais vêm em segundo lugar na tabela de preços, seguidos dos indianos. “O brasileiro é o mais caro em qualquer lugar do mundo”, ela diz. “O fio é inteiro da raiz até as pontas e aguenta melhor a química.” Eu não sabia que nós tínhamos o cabelo mais desejado do planeta. Ainda assim, conseguimos ficar insatisfeitas.
Tanto Leticia quanto Danielli perceberam um aumento na procura por grisalhos durante a pandemia. “Muitas mulheres pararam de tingir”, diz Danielli. “Elas agora estão com cabelo grisalho e buscam mega-hair para alongar ou dar mais volume. A maioria tem mais de 50 anos.”
Os grisalhos à venda, porém, nem sempre atendem a quantidade de fios brancos que as clientes procuram. “Muitas querem o cabelo todo bem branquinho. Quase neve. São principalmente as senhoras entre 70 e 85 anos, que estão buscando perucas”, ela conta. “Esse é o tom mais difícil. Só vejo em pessoas. Nunca vi para vender.”
Dá para entender o motivo da raridade. Imagine que você tem 100% do cabelo branco, o que costuma acontecer depois dos 60 anos. Agora imagine que você ficará pelo menos uns quatro ou cinco anos sem cortar, esperando que o cabelo tenha entre 50 e 60 centímetros de comprimento, para então poder vender. Não sei se eu teria paciência.
Nenhuma dessas lojas, porém, era especialista em cabelos crespos. Será que o que ouvi sobre as características de cada nacionalidade do cabelo brasileiro são as mesmas para as mulheres brasileiras brancas, pardas e negras? Duvido. Encontrei uma loja online que trabalha com cabelo humano e natural para mulheres negras.
“Por enquanto, só temos cabelo castanho escuro”, diz uma das vendedoras. “Algumas clientes já solicitaram o grisalho. Estamos estudando para ter no futuro. Mas temos clientes que compram o cabelo e intercalam com o próprio cabelo natural e grisalho.” Diferentemente das outras lojas, a nacionalidade do cabelo nem é um assunto. O que importa é a curvatura, que indica quão fechado ou aberto é o cacho.
Passei uma manhã telefonando para várias lojas. Recebi explicações das diferentes técnicas para usar os apliques de cabelo natural humano, dos tik taks aos métodos mais modernos. Um deles é o full lace, que, como definiu uma matéria da Glamour, é usado “nas perucas de última geração que fazem a cabeça das celebridades”. Nessas horas, só penso quantas mulheres sonham com o cabelo de uma artista que nem mesmo é de verdade.
As ligações também me levaram até o número de celular parecido com o meu. Em um determinado momento, ao digitar o celular de mais uma loja, quase achei que estava telefonando para mim mesma. Olhei de novo e vi que havia um único número diferente. Era nesse lugar que aquela pessoa que me enviou o Whatsapp por engano queria falar.
A dona desse número é a Silvana, vendedora de outra loja de cabelos naturais. Ela também percebeu um aumento na procura por grisalhos. “Mas não sei se é porque as mulheres querem usar o mega-hair grisalho ou porque o fio branco é infinitamente melhor para fazer cor. Afinal, já está descolorido”, diz Silvana.
Encontrei um vídeo no YouTube que mostra como descolorir um mega-hair grisalho. Deu uma dorzinha no coração ver a mecha de cabelo grisalho brasileiro (agora incorporei a nacionalidade na descrição) se transformando em um loiro depois de duas etapas de descoloração. Mas claro que essa sou eu, me identificando com a longa espera para o o cabelo crescer versus a rapidez para descolori-lo.
Afinal, tanto Letícia quanto Danielli me falaram qual é a cor campeã de vendas nas lojas onde trabalham. “Loiro é o que mais sai”, diz Danielli. “Mulherada quer ficar loira!” Letícia é ainda mais específica: “O que mais vende é o loiro, descolorido, com 65 centímetros de comprimento. As loiras adoram extensão de cabelo.”
E eu adorei essas descobertas. Ao sentar no computador para escrever esse texto, abri aquela primeira mensagem do cabelo Vietnã para transcrevê-la aqui. Reli a conversa e percebi que era um ótimo resumo de tudo o que ouvi das vendedoras. Estava tudo tão claro. Mas, como acontece muitas vezes na vida, eu ainda não tinha as ferramentas para entender o assunto — e isso deve acontecer o tempo todo, né?
Um beijo,
Camila.
Para admirar
Impossível não sorrir ao ver esse rosto feliz. A Jad está no período de transição e escreveu um post lindo sobre a experiência no seu Instagram. Além da foto, escolhi um trechinho para admirarmos aqui:
“Meus grisalhos fazem parte de mim desde os 19. Hoje, com 30, percebo o quão poderosos eles são, não são só fios brancos, mas um legado de força, sabedoria, personalidade e muita história da minha família! Tem coisa mais especial que isso?”
Para pensar
O diálogo deste episódio de Grace and Frankie na Netflix é curto e rápido, mas traz duas boas reflexões: a relação entre cabelo branco e o envelhecimento, e também com os procedimentos estéticos. Obrigada à minha prima Raíssa, que assistiu e me enviou.
— Meu Deus, Gracie. Nada de pânico. Mas você está velha. Dá para ver as raízes.
— É, Frankie. É o que acontece quando você para de pintar o cabelo.
— Que modo tão Frankie Bergstein! Você é Grace Hanson, não é?
— Exatamente por isso. Esta é quem sou realmente.
— Desde quando?
— Desde que a cor do meu cabelo parou de decidir se me sinto jovem ou velha.
— Então, chega de plásticas?
— A decidir.
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