Agora até as crianças querem parecer mais jovens
Impossível prever o futuro, mas com o nosso conhecimento do passado já sabemos que o impacto disso na autoestima pode levar a problemas como depressão, estresse, ansiedade e distúrbios alimentares.
Alguns dias atrás, recebi o seguinte comentário em um post no meu Instagram: “A beleza feminina está associada à juventude, assim como a beleza masculina está associada a ser alto e forte. É biológico”.
Adoro a certeza com que o garoto de cabelo comprido, barbicha, óculos escuros e fone de ouvido termina sua sentença: “é biológico”. Por algum motivo leio essas palavras com uma voz mental diferente, enfática. Me pergunto se ele é alto e forte.
Apesar de rir do comentário, concordo com a primeira parte da frase. A beleza feminina é associada à juventude, assim como a beleza masculina é associada a ser alto e forte — e acrescentaria a não ser careca, uma preocupação de muitos homens. Mas precisamos fazer um ajuste no trecho final: não é biológico; é cultural.
Como conta a historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna no livro A história da beleza no Brasil, a velhice passou a ser um assunto mais frequente nas revistas femininas a partir da década de 1930. “Foi quando algumas brincadeiras confirmaram a negatividade atribuída às quarentonas”, ela escreveu.
Sabemos que a cultura muda dependendo da época e também do lugar. Aqui no Brasil, as mulheres se preocupam mais com a velhice do que na Alemanha, por exemplo, como descobriu a antrópologa e especialista em envelhecimento, Miriam Goldenberg.
Lá, elas usam pouca maquiagem, não pintam os cabelos e não fazem cirurgias plásticas. “É o oposto radical das brasileiras”, disse a antropóloga à FAPERJ, complementando que nós, aqui no Brasil, nos preocupamos com os cabelos brancos, com as rugas e com os quilos extras. Até mesmo antes dos 30 anos já estamos buscando procedimentos estéticos para apagar os sinais do tempo.
Ou pelo menos era isso que acontecia até pouco tempo atrás, pois talvez estejamos vivendo mais uma mudança cultural. Agora tem uma nova geração de mulheres começando a se preocupar com as rugas e o envelhecimento: as meninas entre 9 e 14 anos.
Fiquei embasbacada quando ouvi falar das “Sephora Kids”. Esse é o termo para o fenômeno de meninas que exibem rotinas complexas de skincare e maquiagem no TikTok — e circulam pela maior loja de perfumes e cosméticos do mundo em busca de produtos de beleza e antienvelhecimento, inclusive com retinol.
Apesar disso, uma pediatra ouvida por uma matéria do Nexo diz que “o retinol, usado em produtos para adultos com a finalidade de retardar o envelhecimento, ou para tratamento de acne, causa uma esfoliação na camada superficial da pele que é desnecessária e danosa para esta faixa etária”.
Em uma recente campanha global, a marca Dove alerta sobre como essa pressão antienvelhecimento impacta negativamente na autoestima das meninas. E a baixa autoestima, por sua vez, pode desencadear problemas como depressão, estresse, ansiedade e distúrbios alimentares.
A campanha vai contra a tendência dos vários passos mirabolantes de skincare em crianças e a favor do uso de canetinhas, adesivos e glitter. Em um dos anúncios, vemos a seguinte pergunta: “É possível parecer ter 10 anos a menos quando temos 10 anos?”.
Como disse Phillippa Diedrich, especialista entrevistada para a campanha, “as meninas são expostas a conteúdo adulto sobre cuidados com a pele e a pressões para terem uma determinada aparência desde muito jovens (…). Tudo isto contribui para uma cultura tóxica de padrões e pressões de beleza irrealistas”.
Se parece exagero, trago um dado recente divulgado na última semana no estudo “O Real Estado da Beleza”, também conduzido pela Dove, que ouviu 33 mil pessoas em 20 países.
No Brasil, 59% das meninas de 10 a 17 anos concordam com a seguinte frase: “Não tem desculpa para não ser bonita, com tudo o que está disponível para as mulheres hoje”. Na Indonésia, o percentual sobe para 69%; na Holanda, cai para 22% — o que mais uma vez nos mostra como a cultura muda de um lugar para outro.
Outra frase que as pessoas deram sua opinião foi essa: “Eu estaria disposta a ser 25% menos inteligente se fosse 25% mais bonita”. No Brasil, 1 em cada 4 meninas topariam abrir mão da inteligência para chegarem um pouco mais perto desse ideal de beleza.
O estudo está disponível em inglês, mas acabei traduzindo vários trechos para uma palestra que dei em uma empresa dois dias atrás. Então me despeço aqui e deixo vocês na companhia de mais alguns dados. Antes de ir, porém, só mais um lembrete: não é biológico; é cultural.
75% das mulheres com baixa autoestima sentem pressão para parecem mais jovens; e 42% entre as que têm alta autoestima;
61% das mulheres hoje dizem que pessoas bonitas têm acesso a melhores oportunidades de vida; vinte anos atrás, 46% se sentiam assim;
73% das mulheres sentem que a publicidade estabelece um padrão de beleza irrealista que a maioria das mulheres nunca alcançará;
As mulheres mais velhas são mais propensas a serem autocríticas em relação à sua aparência do que as meninas – 53% versus 45%, respetivamente;
81% das brasileiras concordam que uma mulher pode ser bonita em qualquer idade (mas, pelo visto, desde que não sejam elas mesmas!);
68% dos homens e dos meninos dizem que gostariam de ser mais altos;
79% dos homens e 74% dos meninos sentem que não são musculosos o suficiente.
Um beijo,
Camila.
P.S.: Incluí os dois últimos dados para dar razão ao comentário do nosso “amigo” do começo do texto!
Para admirar
Vamos admirar esta roda de mulheres da DOT Digital Group, que se reuniu para uma palestra sobre o “Sem tinta”? Entre 20 mulheres no presencial e 50 online ali no telão, passamos quase duas horas juntas conversando sobre o que aprendi durante a escrita do livro — e ainda levei os dados da pesquisa de Dove, incentivada pela CHRO da empresa, Ana Paula Lehmkuhl.
Para pensar
“Gastar dinheiro ou tempo com sua aparência não é algo inerentemente negativo, embora eu encoraje a reflexão e a preocupação com o que você faz e por quê.” — Anna Ciao, professora associada de Psicologia e Diretora do Centro de Pesquisa Intercultural da Western Washington University, para o estudo “O Real Estado da Beleza”, da Dove.