O duelo entre as mulheres grisalhas e as tingidas
O mito da rivalidade feminina não perdoa nenhuma arena. Mas precisamos estar em lados opostos só porque fizemos escolhas diferentes para o cabelo?
A escritora Anne Kreamer levou um susto quando contou para a sua amiga e também escritora, Nora Ephron, que planejava ficar grisalha. Antes de reproduzir a conversa entre as duas, conto quem elas são: Anne é autora do livro “Meus cabelos estão ficando brancos”; Nora era produtora de cinema e roteirista de várias comédias românticas, entre as quais “Julie & Julia”, “Mensagem para você” e “Harry e Sally”.
Quando conversaram, Anne não sabia que Nora estava no meio da escrita de um novo livro que seria publicado alguns anos depois, chamado “Meu pescoço é um horror”. A sinopse no site da Editora Rocco diz que o fio condutor dos ensaios é a eterna luta das mulheres para deter o tempo. Mas logo entendemos que a autora não cogita abandonar esse ringue.
“Nora Ephron não é”, segundo o texto da editora, “mais uma daquelas escritoras que acha o máximo ser sábia e madura. Ela preferia mil vezes ter 26 anos e poder usar biquíni o tempo todo e não ter que se preocupar em usar blusas de gola alta para esconder o pescoço de galinha que adquiriu com o passar dos anos.”
O texto também nos pergunta: “Você quer saber por que as mulheres de 50 e de 60 estão muito melhores agora dos que as que tinham estas idades décadas atrás? Para Nora Ephron, as tinturas de cabelo são as verdadeiras responsáveis por essa evolução.” Por fim, a editora diz que as observações da escritora são hilariantes.
“Há-há”, penso enquanto leio, sem achar graça. Dei toda essa volta porque estou relendo o livro da Anne Kreamer sobre a sua transição para o cabelo branco — nessa segunda leitura, um parágrafo me chamou a atenção. É a breve conversa entre as duas. Ao ouvir que Anne planejava ficar grisalha, Nora rebateu:
“O cabelo branco é um ato político para algumas pessoas. Elas atribuem grande prioridade à afirmação dele. Sentem-se como se ganhassem pontos por terem cabelos grisalhos, um tipo de superioridade moral.”
Nora deu um nocaute em Anne. “Ela tinha pensado um bocado a esse respeito”, escreveu Anne, enquanto processava a resposta que recebeu. Alguns parágrafos mais à frente, Anne se levanta e mostra ter descoberto um possível duelo que separa dois grupos de mulheres: as que tingem o cabelo e as que não tingem.
“Entre as adeptas dos cabelos grisalhos”, diz Anne em seu livro, “encontrei um tipo de esnobismo, um ‘somos mais sabidas do que vocês, patetas fracotas’. E, entre as comprometidas com o tingimento, encontrei uma atitude defensiva orgulhosa do tipo ‘como ousa julgar minhas escolhas porque eu faço isso por mim mesma para me sentir bem comigo.”
Parece que estamos umas contra as outras. Estamos encenando o mito da rivalidade feminina mais uma vez. Anne Kreamer percebeu a dualidade — de um lado, o ataque das grisalhas que se acham superiores; do outro, a defesa das tingidas que não querem ter a sua decisão julgada.
Li sobre o conceito da rivalidade feminina há pouco tempo. Enquanto escrevo esse texto, volto a pensar em como aprendemos desde a infância a rivalizar com outras mulheres. Vimos essa cena milhares de vezes em contos de fadas, filmes, livros, novelas e letras de músicas.
“O mito da rivalidade feminina”, diz a professora Sílvia Michelle neste artigo no Estado de Minas, “se ancora em modelos muito replicados de comportamento: nas telenovelas, a vilã que tenta roubar o mocinho da mocinha; nos filmes hollywoodianos, a assistente obstinada que tenta atrapalhar a vida de sua colega novata; na criação familiar, a preparação física e emocional para a maior das batalhas, o bom casamento.”
Não à toa, segundo Sílvia, a palavra sororidade é bem menos conhecida do que a sua versão masculina, a fraternidade. “A construção de uma relação de parceria e apoio entre mulheres percorreu caminhos bem mais tortuosos, de lutas e muitas resistências”, diz Sílvia.
Isso não quer dizer que todas as mulheres briguem. Mas às vezes sinto como se estivéssemos trazendo uma rivalidade para a cor do cabelo. Quem se beneficia desse duelo? Certamente não são nem as grisalhas, nem as tingidas. Ainda dá tempo de escolhermos outro caminho. É muito clichê sugerir para… irmos juntas?
Um beijo,
Camila.
Para descobrir
Talvez você já tenha visto o quadro novo do Fantástico, chamado “Isso tem nome”. No primeiro episódio, a repórter Ana Carolina Raimundi falou sobre etarismo — a discriminação por idade. Lá pelas tantas, o tema do cabelo branco apareceu. Mas, para mim, a melhor parte é a entrevista com a professora do departamento de Psicologia Clínica da UnB, Valeska Zanello. “Mesmo o homem mais perebado dos perebados”, ela diz, “se sente no direito de avaliar uma mulher.”
Para pensar
“Não busco a juventude, busco a beleza.” — Sophie Fontanel, jornalista de moda francesa e autora do livro “Une Apparition”, que conta sua jornada para os cabelos brancos.
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vivaaaa!!!
excelente :)