O ano em que não pensei sobre cabelo branco
No começo deste texto, me questionei por que ainda escrevo sobre isso. No final, comprei um livro caro em inglês (e em dólar) para estudar e continuar escrevendo sobre isso.
Este dia chegou. Não tenho nada para falar sobre cabelo branco. Faz quase um mês que escrevi o último texto. Quando chegou a hora de sentar para escrever o primeiro de 2022, senti um vazio. É como se o assunto tivesse perdido a importância. Tenho cabelo branco. E daí?
Apesar disso, tenho uma lista de temas que ainda quero pesquisar: a história da invenção da tintura, a relação entre a nossa saúde e a toxicidade das tintas, a biologia do cabelo branco, para citar alguns. Também quero entrevistar minha mãe, que parou de pintar há oito meses. E tenho duas boas entrevistas já feitas, mas preciso organizar as ideias antes de escrever.
Esses são alguns dos itens que estão na planilha. Antes das férias do fim do ano, porém, a lista parecia crescer sozinha. Eu estava o tempo todo lendo sobre o assunto, conversando com alguém ou refletindo sozinha. Mas agora acabei de passar vinte e sete dias sem pensar nisso.
De repente, tenho a sensação de que tudo o que um dia pareceu novidade é óbvio. Claro que a dificuldade com o cabelo branco está ligada ao envelhecimento. Claro que as histórias mudam dependendo de gênero, classe social e raça. Claro que é impossível não conectar com o feminismo.
Entretanto, tais assuntos só parecem naturais hoje porque passei os dois últimos anos pesquisando sobre cabelo branco. Mesmo assim, sei que ainda vou me surpreender com pontos de vista que eu nunca tinha pensado antes — e sei que outras pessoas estão em momentos diferentes da jornada.
Lembrei de uma cena que presenciei no salão de beleza no finalzinho do ano passado. Eu estava sentada na cadeira do cabeleireiro quando duas mulheres ao meu lado começaram a conversar. Uma esperava a tinta na raiz do cabelo agir; outra aguardava o tempo dos papelotes que envolviam o descolorante.
“Cabelo branco até fica bom em algumas mulheres, mas precisa se arrumar, passar um batom. Olha essa aqui”, uma delas disse, enquanto mostrava uma fotografia no celular.
“Minha mãe disse que queria parar de pintar, mas falei para ela não fazer isso. Vai ficar com muita cara de velha”, comentou a outra.
“Quanto tempo será que demora até todo o cabelo branco crescer?”, perguntou a primeira.
“A melhor forma de fazer a transição é descolorir tudo. Assim o cabelo já fica todo branco e cresce uniforme”, disse a outra.
A conversa durou alguns minutos e transitou por vários estereótipos. Achei engraçado perceber que elas repararam no meu cabelo, falaram sobre o assunto, mas não cogitaram pedir a minha opinião.
Eu poderia responder quanto tempo a transição leva. Poderia incentivar a filha a deixar a mãe correr o risco de gostar dos seus fios brancos. Poderia contar que a descoloração funciona para algumas mulheres, mas não para todas.
Não me meti na conversa. Já fui uma delas um dia. Ainda sou uma delas em relação a outros assuntos que desconheço. Fico pensando se o fato de elas terem me visto ali no salão pode começar a mudar o que pensam sobre mulheres grisalhas. E aí, claro, lembro por que ainda escrevo sobre cabelo branco.
Feliz 2022 pra nós.
Um beijo e até sexta que vem,
Camila.
Para pensar
“Na verdade, gostaria de ser uma atriz europeia. Preferia não ter que me preocupar com cabelo e rugas, poder envelhecer em paz e fazer coisas da minha idade.” — Julia Lemmertz, atriz, em entrevista para o jornal O Globo.