A transição que minha irmã viveu ao descobrir meus cabelos brancos
Muitas vezes ficamos centradas em nós mesmas e não percebemos que nossas experiências também reverberam nas pessoas à nossa volta.
Eu estava deitada com a cabeça no colo da minha irmã Marina quando ela começou a trançar meu cabelo. Depois de mexer com os fios de um lado para o outro, ela ficou brincando de contar quantos eram castanhos e quantos eram brancos. Ao separar alguns punhados na mão, a diferença logo apareceu: na frente, tem mais brancos; atrás, mais castanhos.
“Sério”, ela disse, enquanto fingia contar os milhares de fios. “A cor cinza do teu cabelo está muito bonita. Cada vez tenho mais certeza de que nunca vou pintar o cabelo.”
O que mais gostei desse momento, além do carinho na cabeça, foi descobrir que minha irmã também mudou nos últimos meses. Fiquei curiosa para saber como ela via minha decisão de não pintar os cabelos lá no começo da quarentena e como vê agora. Será que, ao acompanhar o meu processo, ela também passou por uma transição?
Perguntei se ela toparia escrever algo sobre isso. A ideia é ainda melhor do que parece. Fiz cirurgia no olho para corrigir a miopia e ficarei umas duas semanas de molho, sem enxergar direito. Achei que estava só delegando uma tarefa, mas fiquei com os olhos marejados quando recebi o que ela escreveu. Obrigada pelo lubrificante natural, irmãzinha.
Não sei se eu já falei isso pra Camila antes, mas eu sempre quis ser mais parecida com ela. Todo mundo sempre falava que éramos parecidas, mas eu queria ser ainda mais. Queria que o meu sorriso fosse igual ao dela, queria ser alta como ela. A autoestima nunca foi o meu forte.
Ano passado, moramos juntas durante nove meses. Fazia quase dois meses que ela tinha deixado de pintar o cabelo e eu achava aquilo estranho. Estranho por vários motivos. Não sabia que pintar o cabelo a incomodava e não imaginava que ela tivesse tanto cabelo branco.
Éramos bem diferentes nesse aspecto — com três anos a menos, eu quase não tinha fios brancos. Também não sabia que era difícil encontrar a cor da tinta certa. Afinal de contas, sempre achei minha irmã linda e naturalmente gostava do cabelo também.
Mas fui descobrindo como a tintura era desagradável, tanto quanto o processo de parar de tingir. Pintar o cabelo parecia ser pior do que viver a transição de um dia parar de pintar.
Não vou dizer que achei lindo desde sempre. É difícil dizer que a mistura da raiz grisalha com o comprimento pintado ficava bom. Não ficava. Quando ela dizia que precisava de um “momento terapia”, eu só tinha vontade de dizer (e talvez tenha dito): “Então pinta! Então corta!”.
Foi aí que percebi o quanto esse conselho tinha outro significado. Seria fácil pintar. Mas isso representaria abraçar o problema antigo, e minha irmã parecia querer um problema novo. Ser diferente do padrão de beleza nunca foi uma busca minha — e acho que posso dizer que também não era dela. Mas a obrigação de tingir fazia mal a ponto de fazê-la “bancar” aquela decisão.
Passados alguns meses, o cabelo cresceu e os momentos terapia diminuíram. Até acabaram, eu diria. Desde que a Camila começou a escrever essa newsletter, tenho pensado que a transição não foi só dela.
Eu, que convivi pertinho, também mudei minha cabeça. Busquei os meus próprios significados para essa história. Talvez o objetivo não seja “ir contra um padrão”, mas sim fazer alguns questionamentos. Por que o padrão é desse jeito? Por que tem que ser assim? Será que esse padrão conhecido é realmente o mais bonito?
Todos aqueles esteriótipos clássicos do desleixo, da falta de vaidade, entre outros – que, sim, faziam parte do que eu acreditava — foram aos poucos indo embora junto com a tinta.
No último final de semana, estávamos conversando enquanto eu fazia trancinhas na Camila (adoro fazer isso!) e falei: “Teu cabelo está tão lindo que não dá pra acreditar que foi tão difícil!”.
Agora, quando vejo meus fios brancos, nem tenho vontade de arrancar ou pintar. Se é pra ficar mais parecida com ela, vou deixá-los bem por aqui mesmo.
Se em junho ou julho de 2020 eu achava que o cabelo definitivamente não seria mais uma semelhança nossa, agora já sei que em algum momento essa será mais uma característica comum. Será que um dia vão dizer que somos parecidas porque temos cabelo branco? Talvez. Sei que nunca terei 1,70m de altura, mas os cabelos…
Para admirar
Mais uma capa de revista com uma grisalha, dessa vez da edição de outubro da Vogue Grécia. A atriz Andie MacDowell tem 63 anos e também é uma grisalha da quarentena. Para encurtar o tempo da transição e gravar um filme no final de 2020, ela descoloriu os fios com o colorista Jack Martin (foto abaixo).
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Nossa, a Marina escreve muito também!