A escolha entre tingir ou não o cabelo
Imagino que muitas mulheres tingiram o cabelo pela primeira vez sem pensar que poderiam seguir com os fios brancos na cabeça. Por quê?
“Até então eu achava que teria que pintar o cabelo”, disse minha prima Sabrina, no último fim de semana.
“Achava?”, perguntei. “Verbo no passado?”
“É”, ela respondeu. “Desde que comecei a ver a tua transição com o cabelo branco, percebi que não preciso. Não olho mais para o cabelo branco e penso ‘ai, chegou a minha vez de ir ao salão!’, porque talvez nem tenha minha vez.”
Éramos quatro mulheres ao redor da mesa conversando. Todas mais novas do que eu e com pouquíssimos ou nenhum fio branco. Todas concordaram com Sabrina. Talvez elas não tenham entendido como fiquei feliz. Não porque converti alguém. Mas porque agora elas sabem que existe escolha. Podem tingir. Ou não. Podem deixar natural. Podem mudar de ideia depois.
Na mesma semana, minha amiga Ana Sofia enviou uma mensagem dizendo que o que escrevo sobre cabelo branco têm mais poder do que eu talvez imagine. “Agora cultivo um único fio branco muito carinho na cabeça”, ela disse. “Não deixo ninguém arrancar! E sempre checo para ver se ainda está lá.”
Fico tentando me imaginar cultivando com muito carinho o meu primeiro fio de cabelo branco, que deve ter aparecido com os meus vinte e poucos anos. Impossível. O único sentimento que aquele fio me dava era o de “seu tempo aqui na Terra sem ir ao cabeleireiro de quinze em quinze dias está chegando ao fim”.
Aos 26 anos, finalmente fiz luzes. O cabelo fritou. Uns anos depois, tonalizei. Mirei na cor do cabelo natural e acertei no acaju. Tentei ruivo, loiro de novo, castanho mais uma vez, mas nunca, nunca, nunca pensei que poderia ser cinza. O grisalho precisava crescer escondido. Imagina que absurdo deixar as garras dos fios brancos de fora?
Mas agora eu estava ali conversando com aquelas mulheres que não se imaginavam correndo para o salão ou para a loja de cosméticos escolher entre a caixinha de L’Oréal ou Wella. Mesmo que um dia decidam que não querem ter cabelo grisalho, ganharam alguns anos de folga. Não precisam tingir os quase 150 mil fios que estão na cabeça por conta de uns trinta que ficaram brancos.
Também nessa última semana, vi um post da Whitney Lichty, uma grisalha que fotografa cada etapa da sua transição, falando sobre termos escolha. Ela conta que começou a tingir o cabelo na adolescência, por diversão. Ao longo dos anos, virou obrigação.
“Ninguém estava me forçando a tingir”, ela diz. “Entretanto, eu não sentia que tinha escolha. Eu não criei essa conta [no Instagram] para convencer outras pessoas que tingir o cabelo é ruim, mas simplesmente para lembrar que, não importa como você se sinta, você tem escolha. Cabelo branco é normal, descolado, jovem e lindo.”
A amiga que enviou a mensagem maravilhosa dizendo que cultiva um único fio branco com carinho também contou que agora conversa bastante com a mãe sobre cabelo branco. “Fico feliz só de agora a minha mãe notar que alguma amiga parou de pintar o cabelo e querer saber como foi a experiência”, disse Ana Sofia. “Ainda que, no fim, decida que ‘não é pra ela’.”
Saber que algumas mulheres estão parando para pensar que escolheram a tintura já é uma revolução. Durante muitos anos, nunca pensei que fazia uma escolha. Só seguia o que imaginei ser esperado de mim como uma mulher de vinte e poucos anos diante de seus primeiros fios brancos.
Ao buscar o verbo escolher no dicionário, vi que significa optar entre uma coisa e outra; preferir, selecionar, eleger. Quer dizer que temos opções à nossa frente: podemos optar entre o grisalho e o tingido. Cada mulher escolhe o seu preferido. Todas respeitam a escolha da outra. É só uma cor de cabelo, afinal. Nem deveria render tanto assunto assim.
Um beijo,
Camila.
Para admirar
Não sei se é o idioma ou o olhar desafiador da Cova, uma espanhola de 34 anos, mas me divirto com o que ela escreveu: “Ahora me siento más en paz con mi pelo. A todos los que me dijeron que parecería más mayor y dejada, les saco un dedito con cariño.”
Vamos à versão brasileira: “Agora me sinto mais em paz com meu cabelo. Para todos aqueles que me disseram que eu pareceria mais velha e desleixada, carinhosamente estendo um dedinho”.
Para descobrir
Uma edição de um vídeo com trechos de entrevistas com Stacy London, Paulina Porizkova e Felicia Rosshandler viralizou. Se você ainda não assistiu, clica aqui (crédito para a edição do “Viva a Coroa!”. Fiquei curiosa para ver o original e, assim, cheguei ao canal StyleLikeU no YouTube. Vale a pena assistir às entrevistas na íntegra (em inglês). Mãe e filha conduzem conversas sobre histórias íntimas de aceitação, enquanto as entrevistadas simbolicamente vão mostrando “o que está por baixo” da roupa.
Para pensar
“A indústria ama dizer que os rituais de beleza são ferramentas de ‘empoderamento’ e ‘autoexpressão’, mas tive um insight este ano em que percebi que representar a beleza pede que você sacrifique suas fontes reais de poder: tempo, esforço, energia mental e dinheiro.” — Jessica DeFino, repórter de beleza e criadora de uma newsletter aqui no Substack, em resposta ao questionário da Sari Botton.
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A escolha entre tingir ou não o cabelo
Achei linda sua foto, mas me peguei pensando de imediato “ah mas a Camila é linda e estilosa, consegue continuar linda assim e eu jamais ficaria”…. 🤦🏻♀️! Quanta insegurança! Lembro de você ter dito ou escrito (já não lembro tão bem assim e estou pensando se foi mesmo você! Hahahaha) que os primeiros fios crescem espevitados… ainda não consigo imaginar os meus bonitos e arrumados como os seus! Continue escrevendo, sua newsletter é muito necessária! ❤️
desde que resolvi aceitá-los verdadeiramente, nem se eu quisesse esconde-los seria possível, hoje eles sabem o poder tem ! e usam isso ao meu favor diariamente, as vezes em guerra, as vezes em paz, coo tudo na vida hahaha.
Obrigada pelo texto Camila.